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sexta-feira, 17 de junho de 2011

ELEIÇÕES BIOMÉTRICAS – DO HAITI PARA O BRASIL

por José Rodrigues Filho
 
Em meados da década passada, segundo a imprensa internacional, o Haiti realizou as suas primeiras eleições biométricas, com o apoio logístico da Organização dos Estados Americanos (OEA), cuja assistência técnica visava fortalecer países da América Latina em transição democrática, incluindo o Brasil. Por sua vez, nas eleições de 2010, o Brasil fez o teste de urnas biométricas, após 10 anos de experiência com as urnas eletrônicas.

Comenta-se que o Haiti é um país em que as pessoas pobres que lutam para sobreviver nas grandes favelas são, em geral, identificadas como criminosas e terroristas, enquanto alguns membros da elite, muitas vezes participantes de cartéis, e militares responsáveis por massacres podem até concorrer à presidencia, com a proteção internacional de países ricos.

Os governos dos países desenvolvidos tem proibido que seus cidadãos sejam identificados através da tecnologia biométrica, exceto em casos de tiragem de passaportes, por conta da pressão dos Estados Unidos, por considerar que esta tecnologia é associada com a estigmatização ou marginalização social dos indivíduos, resultante de sua longa utilização para identificar criminosos através de impressões digitais. No século dezoito Lombroso, na Itália, utilizou a biometria na sua criminologia racista para identificar criminosos por traços físicos.

Portanto, a utilização de tecnologias altamente sofisticadas, como urnas biométricas, vem sendo experimentadas nas sociedades em que a exclusão social é marcante, a exemplo do Haiti, países da África e agora do Brasil. Se o Brasil é um país que deseja alcançar o desenvolvimento deve adotar as boas práticas dos países desenvolvidos e não de países como o Haiti e outros africanos. É preciso compreender que desde o 11 de setembro de 2001 que os Estados Unidos estão tentando identificar criminosos e terroristas no mundo inteiro e a tecnologia biométrica está avançando de forma surpreendente, principalmente nos países com bolsões de pobreza, como o Brasil.

Juristas e criminalistas europeus já estão observando que a tecnologia biométrica está trazendo à memória a identificação biológica e racista de Lombroso. Imagine, num futuro breve, os mais pobres, os negros e pessoas dotadas de determinados caracteres biológicos não poderem mais viajar para o mundo desenvolvido por serem identificadas e estigmatizadas como criminosas, terroristas ou com alguma deformação física.

Portanto, são vários os estudos mostrando o quanto a tecnologia biométrica está causando severos riscos à segurança e à privacidade das pessoas, além de outras vulnerabilidades, enquanto a sua utilização, principalmente no setor privado, escapa do controle governamental, sendo uma forte ameaça aos direitos humanos, já que envolve questões éticas muito sérias. No Brasil não parece existir uma legislação disciplinando a certificação das aplicações biométricas, que estão sendo utilizadas sem nenhuma supervisão do governo. A centralização de um banco de dados biométricos por parte da Justiça Eleitoral é uma acumulação de poder tamanha que ameaça o Estado de Direito, caso não seja devidamente justificado por um setor independente de proteção de dados.

A força das tecnologias de informação ameaça o Direito e seus profissionais, quando já se fala até no fim dos advogados. Por conta disto, talvez muitas cortes de justiça estejam negligenciado a questão da privacidade e proteção de dados das pessoas no mundo inteiro. Vale lembrar que a utilização da biometria em larga escala não apenas questiona a posição do individuo na sociedade, mas também altera a arquitetura ou natureza da sociedade como um todo.

Por isto, é necessário que os estudiosos brasileiros, principalmente na área jurídica, elaborem um chamamento convincente para proibir a utilização da biometria do ponto de vista ético, relacionado com valores e a dignidade humana, ou do ponto de vista político, mostrando a interferência na autonomia individual, ou dos perigos do controle de uma sociedade investigada.

Alguns juristas constitucionalistas europeus, baseados nas constituições do Estado Democrático Constitucional, buscam aprofundar o reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais quanto à utilização de diversas tecnologias, incluindo aí as tecnologias biométricas. Vale lembrar que os poderes do Estado são derivados da soberania de seus cidadãos, que desejam que o funcionamento da democracia respeite a trias política (poder executivo, legislativo e judiciário), sem que um poder queira ultrapassar o outro e todos sejam devidamente transparentes.

No Brasil, a própria urna eletrônica e outras bugigangas tecnológicas a ela acopladas devem ser analisadas do ponto de vista de ameaças ao Estado de Direito e não apenas do ponto de vista puramente técnico. A urna eletrônica é um artefato técnico que fere os direitos fundamentais do eleitor que, ao votar, não sabe se seu voto foi registrado ou não. Por outro lado, este artefato não demonstra claramente o principio de correspondência, ou seja, um voto para cada pessoa (one man one vote), além de não permitir um processo de auditoria. Por estas razões, as urnas eletrônicas não são utilizadas no mundo desenvolvido, por ferir princípios democráticos básicos e serem facilmente violadas. A Alemanha recentemente, por exemplo, tornou o voto eletrônico inconstitucional naquele país, enquanto países como a Holanda, Inglaterra e Irlanda abandonaram seus projetos de voto eletrônico, já em andamento.

Se a tecnologia de urna eletrônica é vista como um instrumento inseguro pela comunidade científica nacional e internacional, cabe aos juristas brasileiros avaliá-la agora do ponto de vista constitucional. Por sua vez, a inconstitucionalidade da urna biométrica parece ser mais aparente. Não está clara para a sociedade brasileira a justificativa para a sua utilização. Por que precisamos delas? Há quem diga que a biometria per si não é um problema. A questão central é sobre o controle de sua utilização: quem está controlando “big brother”?
 
 

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