06/07/2011 - 13:00 | João Novaes | Redação
Influenciado pelo Wikileaks, médico é preso pela marinha britânica por desobediência
Um médico da marinha britânica foi condenado a sete meses de prisão nesta terça-feira (05/07), em uma audiência na corte marcial de Portsmouth por se recusar a participar de um treinamento de artilharia antes de ser enviado em missão ao Afeganistão. A justificativa do réu, o jovem Michael Lyons, de 25 anos, foi objeção de consciência. Muito em razão de informações as quais teve acesso ao consultar o site Wikileaks. As informações são do jornal britânico Guardian.
A objeção de consciência é um princípio no qual uma pessoa recusa-se a seguir ordens militares alegando impedimentos éticos, morais ou de consciência. Muitas pessoas alegam essas razões para não prestarem serviço militar ou para se recusar a entrar em uma guerra. E, em alguns países, é considerado um direito.
No Reino Unido, há uma corte militar especial de apelações para julgar esses casos. Entretanto, eles são muito raros: apenas 37 ocorrências em 41 anos de existência do comitê. A apelação de Lyons foi julgada em dezembro de 2010, e ele perdeu, sendo obrigado a recorrer à corte marcial.
Lyons foi considerado culpado por desobediência intencional em uma audiência militar na terça-feira. Além dos sete meses, o jovem, que cumpria missões em submarinos, foi rebaixado e expulso da marinha, onde servia desde 2005.
O caso
Em seu depoimento, Lyons disse que optou pela desobediência em razão de suas convicções pessoaise que começou a questionar as ações do exército após ler uma série de relatórios vazados pelo Wikileaks.
"Minhas objeções começaram quando quis investigar as razões de entrarmos na guerra do Afeganistão. Na época, o Wikileaks divulgou várias informações em relação às invasões no Iraque e no Afeganistão. E surgiram casos sobre mortes de civis que ninguém sabia, e também mostravam como tudo era acobertado", afirmou.
Lyons disse que sua convicção aumentou quando soube que estava proibido de tratar civis afegãos feridos. Ele relatou um treinamento em que tinha de responder como agiria em diversas situações imaginárias.
"Uma deles era assim: uma família que viajou durante dois dias apareceu na frente de nossa base pedindo pedir ajuda. A criança tinha uma doença congênita que lhe causava muita dor. O instrutor me perguntou se deveríamos oferecer-lhes tratamento e eu respondi que deveríamos ajudá-los com tudo o que pudéssemos. Mas fui repreendido pelo instrutor, que disse que isso seria um desperdício de recursos".
O episódio da desobediência de Lyons ocorreu em setembro de 2010, quando ele, ao recusar o exercício, pediu para participar somente de exercícios pacíficos. "Conversamos seis horas sobre o assunto em meu escritório. Eu lhe disse que, como médico, ele tem ao mesmo tempo funções pacíficas e de combate, além do direito legítimo à autodefesa. Ele me disse que achava os motivos da guerra no Afeganistão injustos. Respondi que não o estava mandando para a guerra, mas o ensinando a usar um rifle", afirmou o subtenente Robert Bainbridge, oficial que organizava o treinamento.
Lyons está proibido de comentar o caso publicamente. Entretanto, sua esposa, Lillian, escreveu, em dezembro de 2010, um artigo no Guardian explicando que sua apelação foi prejudicada também pelo fato de sua falta de convicção religiosa.
Lillian contou que seu marido, mesmo sendo ateu, foi obrigado pela marinha a conversar com um padre, que deveria fazer um julgamento das convicções do médico. A esposa afirmou que, no depoimento, esse padre teria concluído que Michael teria reservas políticas, e não uma objeção moral.
"Se Michael tivesse sido desonesto, dizendo ser um cristão devoto e que, por causa de sua fé ele não poderia tomar parte num combate por razões morais, talvez isso tivesse acabado em um instante".
Após o julgamento, em declarações ao Guardian, a coordenadora da ONG Forces Watch (Observatório das Forças Armadas, em tradução livre), Emma Sangster, condenou a decisão. Para ela, a sentença foi muito dura e seu objetivo não era apenas punir Michael, mas também dissuadir outros militares a fazer o mesmo.
"Os militares têm o direito de alegar objeção de consciência. E isso ocorre necessariamente quando uma ordem não é obedecida. Essa reação indica que o exército não leva esse direito a sério e que planeja enfraquecê-lo".
"Espero que as pessoas percebam com esse caso que elas têm o direito de se opor a ordens por razões de consciência, pois haverá um processo que julgue isso – mesmo que seja muito obscuro".
Na opinião de Sangster, "Michael foi extremamente corajoso por agir com sua própria consciência, mantendo consistência e dignidade durante todo o processo".
"Pedimos aos deputados para defender os direitos humanos dos integrantes das Forças Armadas, esclarecendo e reforçando o direito à objeção de consciência e seus procedimentos".
O Ministério da Defesa britânico recusou-se a comentar o caso.
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