Pesquisar este blog

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Entendendo a Coreia do Norte




ESCRITO POR LUIZ EÇA

TERÇA, 09 DE ABRIL DE 2013


Vamos voltar para 1953.

Foi quando terminou a Guerra da Coreia com um armistício, um simples acordo de não agressão que equivale a uma interrupção das hostilidades, as quais, aliás, poderiam ser retomadas a qualquer momento.

Tendo começado em 1950, a guerra opôs as duas Coreias entre si, sendo que a do Norte – comunista – contou com a ajuda do exército chinês, e a do Sul – capitalista –, com forças estadunidenses e de 26 outros países da ONU.

Os EUA se envolveram profundamente no conflito. Seus bombardeiros despejaram uma média diária de 800 toneladas de bombas e napalm, mais do que na guerra contra o Japão.

Foram destruídos quase todos os prédios públicos norte-coreanos e, muito mais grave, mortos cerca de 1.550.000 habitantes do país.

O horror que os bombardeios estadunidenses provocaram no povo foi cultivado nos anos subsequentes pela imprensa e os políticos da Coreia do Norte.

Desde 1953, há 60 anos, portanto, uma propaganda maciça estimula no povo o medo de uma nova agressão dos EUA, com os morticínios e destruições que causaram no passado.

Este sentimento é reforçado pela existência de bases na Coreia do Sul, onde a Casa Branca tem mantido entre 25 mil e 60 mil soldados, desde 1953. Prontos para atacar a vizinha Coreia do Norte, no entender do povo do país.

Outra linha-mestra da propaganda oficial tem sido acusar o imperialismo norte-americano e seus lacaios sul-coreanos pelos principais males da região.

A fome, a falta de habitações, a crise de eletricidade, tudo seria consequência das manobras internacionais dos EUA contra o governo de Piongiang.

Agora, vamos saltar para 1998.

Nesse ano, o então presidente Kim Jong Il resolveu tornar seu país a primeira “monarquia” comunista, garantindo sua sucessão para seu filho Kim Jong-un.

Para dobrar a resistência dos líderes partidários, ele buscou o apoio dos militares, que constituem uma classe extremamente poderosa na Coreia do Norte.

Ele o ganhou modificando a Constituição para reduzir os poderes do Partido Comunista em favor da Comissão de Defesa Nacional – onde os militares são maioria.

Essa situação, o chamado sistema songun, na qual uma junta militar de fato divide o governo com o presidente, se manteve até agora, com Kim Jong-un dando as cartas, a partir da morte do pai.

Nos últimos meses, porém, anuncia-se uma grande quebra na colheita de cereais. A fome será inevitável, espalhando sofrimento e raiva por todo o país.

Embora muita gente pense o contrário, mesmo nos sistemas autoritários a revolta do povo ameaça a estabilidade do regime.

Além de ter de lidar com esse problema, Kim Jong-un está diante de outro, tão ou mais grave: sérias tensões entre o exército e o partido. É difícil dizer de que lado ele está.

No ano passado, Kim Jong-un foi alvo de uma tentativa de assassinato, cuja autoria não foi esclarecida. É certo que o ditador está sob forte pressão.

Uma prova é a demissão do general Kim Yong Choi do importante Birô Geral de reconhecimento e sua súbita e inesperada reabilitação.

Outra vem da íntima ligação de Kim Jong com seu tio, Jang Sung Taek, o vice- presidente e número 2 do regime.

Firme aliado da China e adepto das reformas econômicas de Pequim, Jang Sun Taek já declarou desejar sua aplicação na Coreia do Norte.

Seria uma mudança total no sistema.

Para poderosas forças no partido e/ou no exército, essas ideias representam verdadeiros sacrilégios.

Temem que o presidente também pretenda imitar as políticas chinesas. Por isso mesmo, ele estaria prestigiando tanto o seu tio.

Fragilizado pela fome que começa a crescer no país, Kim Jong-un tem de enfrentar as desconfianças e pressões desses grupos.

O caminho que ele parece ter escolhido foi desafiar os EUA, inimigo número 1 da Coreia do Norte.

Apresentando-se como o defensor do povo contra as tenebrosas maquinações e agressões dos EUA e seus fantoches sul-coreanos, o jovem presidente visa conquistar “hearts and minds” dos norte-coreanos.

Quando ele ameaça atacar, atingindo até o território dos EUA com seus mísseis, mostra-se como um verdadeiro herói, um Davi enfrentando o Golias ianque.

Essa postura tem também outro alvo: os militares e/ou os radicais do partido, de um lado satisfazendo sua belicosidade, do outro usando a pressão popular para forçá-los a aceitar a hegemonia de Kim Jong-un.

Lembre-se que a guerra verbal do governo não foi desencadeada gratuitamente. Primeiro, anunciou testes com novos mísseis de longo alcance.

Para o público interno, era uma medida defensiva contra um inimigo que mantinha ameaçadoras bases militares em volta de suas fronteiras.

Os EUA não concordaram, consideraram uma atitude agressiva. Mobilizada por eles, a ONU decretou sanções punitivas contra a Coreia do Norte.

Que respondeu fazendo um teste nuclear subterrâneo. Vieram novas sanções. E, a seguir, os EUA pisaram na bola.

Realizaram jogos de guerra com a Coreia do Sul, cujo tema era o bombardeio da Coreia do Norte, usando, inclusive, dois aviões B-2, com capacidade nuclear.

Claro, o presidente norte-coreano aproveitou a deixa para elevar o tom de suas ameaças e, consequentemente, sua imagem junto ao povo norte-coreano.

Como vai acabar isso, não se sabe. É de se crer que Kim Jong não pode, de repente, calar a boca e dar o dito por não dito. Seu cargo ficaria em risco.

Será necessário que os EUA atendam a, pelo menos, alguma parte das reivindicações tradicionais da Coreia do Norte, que são:

1 - assinatura de um tratado de paz entre as duas Coreias, com troca de embaixadores e reconhecimento diplomático da Coreia do Norte pelos EUA. Isso implicaria na supressão de todas as sanções e na liberação total do acesso da Coreia do Norte ao mercado internacional;

2 - fechamento das bases estadunidenses na Coreia do Sul, tornadas desnecessárias depois de as duas Coreias fazerem as pazes. Sua existência, queira-se ou não, representa uma ameaça permanente aos norte-coreanos;

3 - unificação dos dois países. Houve uma época em que eles estavam se relacionando até que bem. A Coreia do Norte propôs então que a divisão desaparecesse, conservando cada lado seu regime. Em outras palavras seria: um Estado, dois regimes. Comunista ao norte, capitalista ao sul. Parece absurdo.

Em todo o caso, a ideia não foi adiante porque os EUA se opuseram e o governo de Seul docilmente voltou atrás.

Há bons motivos para os comunistas serem favoráveis: sendo parte de um país unificado, a pobre Coreia do Norte se beneficiaria do apoio econômico da rica Coreia do Sul.

Não sabemos se atualmente o governo de Piongiang quer o fim da divisão. Provavelmente, não.

É de se crer que, havendo paz, a reunificação poderá acabar sendo avaliada.

Qualquer uma destas propostas dificilmente será integralmente aceita.

Para os interesses geopolíticos dos EUA é importante que a Coreia do Norte continue sendo a ovelha negra, que assusta Japão e Coreia do Sul. Sobretudo agora que a Coreia do Norte pode ter armas nucleares.

Assim, eles continuarão acolhendo bases estadunidenses em seu território para defendê-los de supostas agressões.

Segundo o secretário da Defesa, Chuck Hagel, a presença militar dos EUA não pode ser reduzida.

Ele disse: “a América não pode se dar ao luxo de retrair – temos muitos interesses globais em risco, inclusive nossa segurança, prosperidade e futuro”.

É de se crer que, depois de muitas ameaças de parte a parte, a Coreia do Norte poderá conseguir um novo armistício, com levantamento das sanções, mediante compromisso de não brincar mais com armas nucleares.

Talvez ganhe de presente algumas toneladas de cereais.

la nave va.

Luiz Eça é jornalista.

 Website: Olhar o Mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário