No
 exato momento em que se completa um ano do terrorismo de Estado 
praticado pelo governo Alckmin e a justiça paulista no bairro do 
Pinheirinho, em São José dos Campos, despejando cerca de 8000 pessoas de
 seus consolidados cotidianos, o Assentamento Milton Santos, na região 
de Americana, interior do estado paulista, encontra-se em vias de sofrer
 espúria reintegração de posse após oito anos de trabalho e economias 
investidas. 
  
“As
 68 famílias assentadas do Milton Santos enfrentam uma poderosa 
articulação constituída pelo agronegócio da cana-de-açúcar, judiciário, 
governo paulista e federal, e a mídia, todos comprometidos com a 
reprodução do grande capital transnacional na região”, disse ao Correio 
da Cidadania a socióloga Maria Orlanda Pinassi, estudiosa da questão agrária e da própria dinâmica dos movimentos sociais do campo. 
  
Ao
 conhecer detalhadamente os donos dos interesses em jogo e o desenrolar 
da trama, atestamos de forma eloquente o grau de farsa e empulhação da 
“democracia” brasileira. Mesmo sem registrar a posse da área em cartório
 (ocultando patrimônio que serviria para pagamento de outras dívidas), o
 grupo Abdalla, cuja família possui enorme fortuna distribuída em 
diversos investimentos, é favorecido por uma justiça que não parece 
fazer questão de esconder seu caráter classista e discricionário. 
  
“Não
 é uma mera coincidência que o Desembargador Federal, Luiz Stefanini, 
que expediu a Ordem de Despejo, seja o mesmo que concedeu liminar, por 
interesse das usinas de açúcar e de álcool, para expulsar os índios 
Guarani Kayowá de sua reserva no Mato Grosso do Sul”, denuncia Pinassi. 
  
Como
 se fosse pouco nesta história de falências, fraudes e clientelismo, 
outro grupo envolvido é o da família Coutinho Nogueira, nada mais nada 
menos que dona da EPTV de Campinas e Ribeirão Preto, retransmissora da 
Rede Globo na região – emissora aliada do agronegócio e inimiga da luta 
pela distribuição da terra. 
  
“O
 Assentamento Milton Santos está no olho do furacão e tem nas mãos a 
tarefa de defender a Reforma Agrária mais autêntica, a Reforma Agrária 
constituída na luta, a Reforma Agrária que assume cada vez mais a forma 
de enfrentamento contra o grande capital”, explica Maria Pinassi, 
explicitando o caráter ideológico da disputa, que opõe inconciliáveis 
modelos de agricultura, atualmente sob hegemonia da agroindústria 
“competitiva”. Esta é tratada como filho dileto pela presidente Dilma, 
como demonstra seu flerte com Katia Abreu, a megalatifundiária cotada 
para chefiar um ministério do governo petista, outrora o maior aliado da
 luta pela reforma agrária. 
  
Correio
 da Cidadania: Como você avalia a atual tensão que paira sobre o 
assentamento rural Milton Santos (região de Americana), com extensão de 
100 hectares e ocupado por 68 famílias desde 2005, e que correm agora 
alto risco de despejo, após o pedido de reintegração de posse de uma 
massa falida ter sido aceito pela justiça paulista?  
  
Maria Orlanda Pinassi:
 É um fato social importante que está prestes a abalar todo e qualquer 
princípio de justiça e de democracia que se julgava em vigor no país. E,
 mais, um fato que nos obriga a pensar o sentido que a Reforma Agrária 
ainda tem nos dias de hoje. 
  
No
 último dia 9 de janeiro, o INCRA foi finalmente notificado da Ordem de 
Despejo expedida contra o Assentamento Milton Santos. A partir desta 
data, o órgão tem prazo de 15 dias para desocupar a área. Se a medida 
não for cumprida até o próximo de 24, a Polícia Militar do Estado de São
 Paulo, sob o comando do governador Geraldo Alckmin, terá autorização de
 usar a força para retirar as famílias do local. Ironicamente, a data 
prevista para a desocupação da área completa um ano de uma ação muito 
semelhante, da mesma PM sob o mesmo comando, desferida contra as 1.200 
famílias, cerca de 8.000 pessoas, do bairro Pinheirinho, em São José dos
 Campos. 
  
E
 essa ação foi de extrema violência. Pode-se, por isso, imaginar a 
apreensão vivida pelos moradores do Assentamento Milton Santos, uma 
verdadeira tortura psicológica, nas palavras de um assentado, que 
começou em julho de 2012 e que agora atinge seu auge. Ao mesmo tempo, 
porém, foi crescendo entre todos eles uma forte determinação de 
permanecer e defender até o último instante o lote e tudo o que foi 
construído ali com tanto esforço e luta. 
  
O
 risco, portanto, de que venha a ocorrer um novo massacre é grande e 
muito preocupante. E se isso vier a ocorrer, a responsabilidade recai, 
em primeiro lugar, sobre o poder econômico representado pelas famílias 
querelantes: os Abdalla e os Coutinho Nogueira. No entanto, o poder 
político-ideológico constituído para amparar, sem o menor 
constrangimento, seus interesses é igualmente responsável. 
  
Isso
 quer dizer que as 68 famílias assentadas do Milton Santos enfrentam uma
 poderosa articulação constituída pelo agronegócio da cana-de-açúcar, 
pelo judiciário, pelo governo paulista, pelo governo federal e pela 
mídia, todos comprometidos com a reprodução do grande capital 
transnacional na região. 
  
Correio
 da Cidadania: Como este drama se insere, a seu ver, em um processo que 
se evidencia, cada vez mais, com uma absoluta proeminência do capital e 
do agronegócio, no país em geral e no campo em particular, 
resignificando a própria importância e perspectivas para a reforma 
agrária?  
  
Maria Orlanda Pinassi:
 O drama vivido atualmente pelas famílias do Assentamento Milton Santos,
 de Americana, não é um caso isolado. Está inserido na lógica que 
preside a ofensiva do capital em cada espaço deste país, da América 
Latina, do planeta inteiro. O agronegócio, a especulação imobiliária, as
 obras do PAC, a extração mineral, a construção de barragens, a pesca 
industrial, cada um dos setores econômicos controlados pelo capital na 
atualidade só pode efetivar-se mediante um processo absolutamente 
destrutivo de produção. 
  
Desemprego
 estrutural, devastação ambiental, desregulamentação das leis de 
proteção do trabalhador, das terras indígenas, dos quilombolas e, 
recentemente, da Reforma Agrária. Essas são algumas das facetas mais 
problemáticas do propagado neodesenvolvimentismo de Lula e Dilma. O 
drama do Milton Santos é, portanto, o mesmo que provoca o extermínio dos
 Guarani-Kayowá e de tantas outras comunidades originárias, o mesmo que 
provoca incêndios em favelas urbanas, que impõe pesada militarização à 
população dos morros cariocas, que criminaliza a pobreza de modo 
generalizado, que determina uma bem orquestrada política de remoção humana
 para dar vazão às necessidades de expansão e acumulação do capital. 
Todas essas grandes tragédias sociais contemporâneas resultam de um 
modelo de desenvolvimento que só faz aprofundar o apetite da barbárie. E
 penso eu que as políticas compensatórias não serão capazes de conter 
por muito tempo a explosão de uma ampla revolta popular por aqui. 
  
O
 processo do Milton Santos poderia ser visto como mais um dos tantos 
casos históricos envolvendo conflitos de terra no Brasil, mas este caso,
 apesar de envolver somente 68 famílias, algo em torno de 200 pessoas, 
apresenta uma característica nova, mais grave do que pode parecer em 
princípio. Trata-se de uma tramoia jurídica pautada em “subterfúgios 
legais” para anular algo construído de modo legítimo por homens e 
mulheres em intenso processo de luta. 
  
Despejar
 uma ocupação já é um ato de violência, mas essa é uma reação da ordem 
já prevista pelos acampados. Despejar um assentamento consolidado em 
sete anos de muito empenho, trabalho e investimento é uma violência 
inadmissível, um retrocesso brutal na história das lutas populares do 
país. 
  
Correio
 da Cidadania: O que tal situação poderá significar para a luta dos 
assentados, do Milton Santos e também de outras localidades em nosso 
país?  
  
Maria Orlanda Pinassi:
 Recordando um pouco as circunstâncias do que vem acontecendo. O 
Assentamento Milton Santos está localizado nos municípios de Americana e
 de Cosmópolis, região metropolitana de Campinas. Resultou de muita luta
 pela terra, sendo várias as ocupações realizadas e muitos os despejos 
sofridos: passaram pela Granja Malavazzi, pela Fazenda Santa Júlia, até 
que em 23 de dezembro de 2005 o próprio INCRA conduziu as famílias, com a
 escolta da polícia militar, para o Sítio Boa Vista – uma área de 104 
hectares. 
  
A
 área foi desapropriada ainda na década de 1970 e repassada ao INSS pelo
 não pagamento de impostos trabalhistas, mas, apesar disso, continuava 
sendo utilizada irregularmente pela Usina Ester com a monocultura da 
cana-de-açúcar. Em 2005, a posse da terra foi repassada para o INCRA, 
dando início ao projeto do assentamento, quando os assentados foram 
reconhecidos como beneficiários da Reforma Agrária. Ao menos, foi isso 
que disseram para eles na ocasião. 
  
Desde
 aquele momento, uma nova luta, árdua e permanente, se abriu para os 
assentados. Depois de tempos sob a lona preta conseguiram acessar os 
créditos a que passaram a ter direito, construíram casas de alvenaria, 
as roças e todas as benfeitorias necessárias para garantir a construção 
de uma nova subjetividade de assentados rurais. E, apesar das inúmeras 
dificuldades que enfrentaram em seu dia-a-dia, tornaram-se referência em
 produção agroecológica, atendendo mais de 12 mil famílias da região de 
Campinas, Cosmópolis, Americana, Sumaré e Limeira, através do Projeto 
Doação Simultânea do Ministério de Desenvolvimento Agrário. Tudo isso 
com o suor do rosto, a força dos braços e empregando todas as economias 
que conseguiram juntar em anos e anos de muito trabalho e exploração. 
  
Diante
 do quadro, a Ordem de Despejo (recebida nesta terça-feira, 15/01) 
contra eles tem o significado de golpe inédito na luta pela Reforma 
Agrária no país. Um precedente perigoso que, aliás, vem ameaçando também
 outros assentamentos na mesma situação no próprio Estado de São Paulo 
(casos do Elisabete Teixeira, em Limeira, e Irmã Alberta, na grande São 
Paulo), em Alagoas e Minas Gerais, na área de Felisburgo (Assentamento 
Terra Prometida). Assentamentos consolidados no Pará e no Maranhão vêm 
sendo ameaçados de despejo pela indústria da extração mineral 
capitaneada pela Vale. 
  
Em
 casos como esses, o golpe atinge sujeitos que vêm cumprindo plenamente a
 função social da terra num processo regulamentado pelo INCRA. Até por 
isso é que a luta no Milton Santos tem sido pela desapropriação por 
interesse social, algo que só pode ser efetivado pela presidente da 
República, Dilma Rousseff, e para o que não cabe recurso. Só isso 
poderia, de fato, tranquilizá-los, impedindo a remoção e preservando a 
integridade física de todos eles. 
  
Correio
 da Cidadania: O Grupo Abdalla, como você disse, jamais registrou a 
posse da área do atual assentamento, há anos recuperada, de modo que a 
área se encontra ainda hoje sob a titularidade do INSS. Quais os 
interesses que, em sua opinião, determinaram esta postura por parte de 
um grupo empresarial tão poderoso? Você poderia elucidar com mais 
detalhes o histórico deste caso? 
  
Maria Orlanda Pinassi:
 No ano de 1976, várias propriedades da família Abdalla foram 
confiscadas pelos militares em função das dívidas pesadas contraídas com
 a União. A área em que as 68 famílias do Milton Santos estão assentadas
 faz parte deste bloco de bens repassados para o antigo INPS, atual 
INSS. Uma cláusula da medida previa a devolução destes bens para os 
proprietários caso o seu valor excedesse o valor das dívidas. Foi o que 
aconteceu em 1981, quando os Abdalla pediram a revisão das contas do 
confisco. 
  
A
 ação transitou em julgado em 1990, mas o grupo não foi ao cartório 
registrar as terras reavidas, permanecendo, portanto, em nome do INSS. O
 procedimento de ocultar patrimônio foi um recurso lesivo que se usou 
diante das muitas multas restantes e do risco de perder as terras 
novamente. 
  
O
 ato de criação do Assentamento, em 2005, foi absolutamente legal. E a 
reintegração de posse, reivindicada pelos Abdalla, um esbulho jurídico. 
Pior: não é uma mera coincidência que o Desembargador Federal, Luiz 
Stefanini, que expediu a Ordem de Despejo seja o mesmo que concedeu 
liminar, por interesse das usinas de açúcar e de álcool, para expulsar 
os índios Guarani Kayowá de sua reserva no Mato Grosso do Sul. Nos dois 
casos impera o interesse do agronegócio, do setor sucroalcooleiro em 
particular. 
  
Ora,
 a família Abdalla possui um poder econômico enorme e sua fortuna vem de
 longa data. São proprietários de dois bancos, de uma quantidade 
incontável de terras, além do que foram donos de uma estrada de ferro 
que ligava Perus a Pirapora do Bom Jesus e da maior fábrica de cimento 
do país (Cimento Perus), tornando-se grande fornecedora do material para
 a construção de Brasília. 
  
A
 outra família interessada no fim do Assentamento Milton Santos responde
 pelo nome de Coutinho Nogueira, proprietários da Usina Ester, que tem 
parte importante da sua produção de cana em terras arrendadas dos 
Abdalla. É no meio desta usina que o assentamento está encravado. Outras
 atividades deste grupo estão voltadas à grilagem, à cada vez mais 
lucrativa especulação imobiliária, além de serem donos da EPTV de 
Campinas e de Ribeirão Preto, subsidiária da Rede Globo nessas 
importantes regiões do estado de São Paulo. 
  
Correio
 da Cidadania: Quais as características e atividades mais peculiares que
 você destacaria no Assentamento Milton Santos, e que, provavelmente, 
são aquelas que incomodam as elites locais? 
  
Maria Orlanda Pinassi:
 Os lotes do Assentamento Milton Santos não excedem 1 hectare. Mas, como
 eu disse antes, isso não impediu que se tornassem referência na região 
em termos de desenvolvimento agroecológico. Onde antes havia 
cana-de-açúcar, hoje existem 40 variedades de alimentos que abastecem 
entidades assistenciais, creches, escolas públicas através da 
alimentação escolar. Há ali uma horta coletiva de produção agroecológica
 e quintais agroflorestais, respeitando o meio ambiente. 
  
Para
 a safra de 2012 e 2013 está prevista a entrega de mais de 250 toneladas
 de alimentos para as cidades de Americana, Cosmópolis, Campinas, 
Limeira e Sumaré. Possuem muitos convênios como, por exemplo, com o 
Grupo de Estudos e Extensão Territórios Rurais e Reforma Agrária 
(TERRA), o Núcleo de Agroecologia da ESALQ/USP e com a FEAGRI/UNICAMP. 
  
Uma
 situação interessante caracteriza o Assentamento Milton Santos. A sua 
regulamentação, em 2005, não encerrou as lutas pela Reforma Agrária de 
seus assentados. Muito ao contrário, deste processo surgiu o Acampamento
 Roseli Nunes, que enfrentou cinco ocupações entre 2007 e 2011, 
denunciando a grilagem de terras públicas e o uso indevido do Sítio Boa 
Vista pela Usina Ester. A ocupação mais recente – Helenira Resende – 
reuniu mais de 500 famílias que reivindicavam a ampliação das terras do 
Assentamento, o que não aconteceu. Uma reintegração de posse, realizada 
de forma irregular, expulsou as famílias acampadas do local. 
  
O
 caráter combativo desta Comuna da Terra Milton Santos fica evidente em 
toda sua história e, muito provavelmente, é uma razão do despejo 
requerido pela burguesia local. Não se trata apenas de extirpar 68 
famílias assentadas, vivendo de sua produção familiar, de reaver os 
míseros 104 hectares que ocupam diante da imensidão de terra destinada à
 cana-de-açúcar. Essa é uma parte da verdade. A outra, muito mais 
incômoda, tem a ver com a consciência social aguçada dos moradores do 
Assentamento, os criminalizados da vez, vistos como uma “chaga” que 
tende a contaminar o imenso contingente de famílias vivendo e 
trabalhando em condições absolutamente precárias nas cidades da região. 
  
Correio
 da Cidadania: No momento, vemos membros de movimentos sociais e 
populares denunciarem um desmonte no INCRA (Instituto Nacional de 
Colonização e Reforma Agrária), órgão responsável pela desapropriação de
 terras para fins sociais e pelo próprio planejamento de uma política 
agrária. É isso mesmo que está acontecendo?  
  
Maria Orlanda Pinassi:
 Faço menção, neste sentido, a duas questões que considero muito 
importantes para refletirmos sobre o significado atual de Reforma 
Agrária. A primeira delas diz respeito à série de mudanças que vêm 
acontecendo no INCRA, as mais profundas desde que o órgão foi criado em 
1970, em plena ditadura militar. Alegam seus articuladores que a ideia é
 descentralizar suas atividades e minorar significativamente as 
despesas, acionando as administrações municipais na gestão dos 
assentamentos rurais, até então sob a competência da esfera federal. 
  
Algumas
 das mudanças mais importantes mencionam que os assentamentos dos 
municípios com mais de 50 mil habitantes receberão financiamento do PAC 
para a compra de equipamentos e combustível destinados à melhoria das 
vias de acesso às áreas assentadas. Outro programa de governo – Minha Casa, Minha Vida
 – tem por meta construir 70 mil novas moradias e reformar outras 118 
mil no prazo de dois anos. A energia elétrica dos assentamentos será 
garantida pelo Programa Luz para Todos. A seleção das famílias 
será transferida para o Ministério do Desenvolvimento Social, de acordo 
com o cadastro único, o mesmo utilizado para programas federais de 
transferência de renda, como o Bolsa Família. Segundo o presidente do 
INCRA, Carlos Guedes, a meta é criar assentamentos eficientes e 
integrados às diferentes políticas de governo, pondo fim à criação das 
“favelas rurais”, conceito difundido pela direita para os atuais 
assentamentos constituídos mediante organização social da classe 
trabalhadora. 
  
Na
 verdade, o novo INCRA vem refletir a opção muito clara e atual do 
Governo Federal em termos de política econômica agrária. E veja que 
ninguém menos do que o ultraconservador Estadão, em 5 de janeiro 
deste ano, manifesta com entusiasmo sua plena concordância com as 
inovações do órgão: “A modernização administrativa do INCRA, aliada a 
uma alteração paulatina do perfil da reforma agrária no país, vem em 
muito boa hora, pois indica a opção pela integração dos pequenos 
agricultores ao agronegócio, algo que será benéfico para todos – menos, 
claro, para aqueles que lucram politicamente com a proliferação de 
sem-terra”. 
  
Essa
 nova tendência do INCRA, órgão responsável até aqui pela execução 
institucional da Reforma Agrária, antecedida invariavelmente por longo 
processo de lutas, acompanha a mesma orientação ditada aos demais 
setores outrora combativos da classe trabalhadora brasileira. Pelo canto
 de sereia do petismo no poder, todos, um a um, vêm sendo prática e 
ideologicamente amputados de seus instrumentos de pressão de classe. 
Dessa vez, o golpe é dado sobre a Reforma Agrária, cujo bloco agrarista 
no poder já impôs a revisão do Código Florestal e coloca em andamento a 
revisão do Código da Mineração. 
  
Correio
 da Cidadania: Os elogios públicos de Dilma à megalatifundiária Katia 
Abreu, cogitando do nome da senadora para ministério, não estão a 
atestar a morte da reforma agrária sob o petismo? 
  
Maria Orlanda Pinassi:
 Sim. Nenhuma surpresa, diante da declaração da presidente Dilma à 
presidente da CNA, a mesma Katia Abreu, durante solenidade de formatura 
de 5 mil alunos do Pronatec, em Palmas (TO): “Acredito que nossa 
parceria é fundamental para transformar o mundo rural brasileiro”, 
ressaltando que “os produtores rurais têm direito à agricultura de alta 
tecnologia e de qualidade de vida à altura da importância que este setor
 tem na economia brasileira como um todo”. Ao que a senadora “agradeceu a
 presidente pela atenção com que tem respondido a todas as suas 
solicitações” (Ver a respeito “Dilma Rousseff defende parceria do 
governo com o setor agropecuário para transformar o mundo rural 
brasileiro”. Assessoria de imprensa da senadora Katia Abreu, 19/12/2012) 
  
Essas
 duas passagens comprovam que os problemas do Assentamento Milton Santos
 são muito mais complexos do que um mero litígio jurídico. O 
Assentamento Milton Santos está no olho do furacão e tem nas mãos a 
tarefa de defender a Reforma Agrária mais autêntica, a Reforma Agrária 
constituída na luta, a Reforma Agrária que assume cada vez mais a forma 
de enfrentamento contra o grande capital. 
  
Penso
 que, por tudo isso, seja absolutamente urgente e necessária uma tomada 
de posição muito clara do MST em relação ao governo Dilma e à inteira 
forma lulista de tentar conciliar o inconciliável, de menosprezar a 
contradição social que emana dos interesses do agronegócio e da Reforma 
Agrária, que emana da luta de classes. 
  
Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.
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Abaixo-assinado em apoio aos moradores do Assentamento Milton Santos no AVAAZ.ORG >>> http://t.co/Rthpzt1E  
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