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Escrito por
Frei Betto
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Quarta, 07
de Novembro de 2012
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A justiça
revogou a ordem de retirada de 170 índios guarani-kaiowá das terras em que
habitam no Mato Grosso do Sul. Em carta à opinião pública, eles apelaram:
“Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo,
mas decretar nossa morte coletiva e enterrar nós todos aqui. Nós já avaliamos
a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos, mesmo, em pouco
tempo”.
A morte
precoce, induzida – o que nós, caras-pálidas, chamamos de suicídio – é
recurso frequente adotado pelos guarani-kaiowá para resistirem frente às
ameaças que sofrem. Preferem morrer que se degradar. Nos últimos vinte anos,
quase mil indígenas, a maioria jovens, puseram fim às suas vidas, em protesto
às pressões de empresas e fazendeiros que cobiçam suas terras.
A carta dos
guarani-kaiowá foi divulgada após a Justiça Federal determinar a retirada de
30 famílias indígenas da aldeia Passo Piraju, em Mato Grosso do Sul. A área é
disputada por índios e fazendeiros. Em 2002, acordo mediado pelo Ministério
Público Federal, em Dourados, destinou aos índios 40 hectares ocupados por
uma fazenda. O suposto proprietário recorreu à Justiça.
Segundo o
CIMI (Conselho Indigenista Missionário), vinculado à CNBB, há que saber
interpretar a palavra dos índios: “Eles falam em morte coletiva (o que é
diferente de suicídio coletivo) no contexto da luta pela terra, ou seja, se a
Justiça e os pistoleiros contratados pelos fazendeiros insistirem em tirá-los
de suas terras tradicionais, estão dispostos a morrerem todos nela, sem
jamais abandoná-las”, diz a nota.
Dados do
CIMI indicam que, entre 2003 e 2011, foram assassinados, no Brasil, 503
índios. Mais da metade, 279, pertence à etnia guarani-kaiowá. Em protesto, a
19 de outubro, em Brasília, 5 mil cruzes foram fincadas no gramado da
Esplanada dos Ministérios, simbolizando os índios mortos e ameaçados.
São
comprovados os assassinatos de membros dessa etnia por pistoleiros a serviço
de fazendeiros da região. Junto ao rio Hovy, dois índios foram mortos
recentemente por espancamentos e torturas.
A
Constituição abriga o princípio da diversidade e da alteridade, e consagra o
direito congênito dos índios às terras habitadas tradicionalmente por eles.
Essas terras deveriam ter sido demarcadas até 1993. Mas, infelizmente, a
Justiça brasileira é extremamente morosa quando se trata dos direitos dos
pobres e excluídos.
Um quarto de
século após a aprovação da carta constitucional, em 1988, as terras dos
guarani-kaiowá ainda não foram demarcadas, o que favorece a invasão de
grileiros, posseiros e agentes do agronegócio.
Participei,
no governo Lula, de toda a polêmica em torno da demarcação da Raposa Serra do
Sol. Graças à decisão presidencial e à sentença do Supremo Tribunal Federal,
os fazendeiros invasores foram retirados daquela reserva indígena.
No caso dos
guarani-kaiowá não se vê, por enquanto, a mesma firmeza do poder público. Até
a Advocacia Geral da União, responsável pela salvaguarda dos povos indígenas
– pois eles são tutelados pela União – chegou a editar portaria que, na
prática, reduz a efetivação de vários direitos.
O argumento
dos inimigos de nossos povos originários é que suas terras poderiam ser
economicamente produtivas. Atrás desse argumento perdura a ideia de que
índios são pessoas inúteis, descartáveis, e que o interesse do lucro do
agronegócio deve estar acima da sobrevivência e da cultura desses nossos
ancestrais.
Os índios
não são estrangeiros nas terras do Brasil. Ao chegarem aqui os colonizadores
portugueses – equivocamente qualificados nos livros de história de
“descobridores” – se depararam com mais de 5 milhões de indígenas, que
dominavam centenas de idiomas distintos. A maioria foi vítima de um genocídio
implacável, restando hoje, apenas, 817 mil indígenas, dos quais 480 mil
aldeados, divididos entre 227 povos que dominam 180 idiomas diferentes e
ocupam 13% do território brasileiro.
Não adianta
o governo brasileiro assinar documentos em prol dos direitos humanos e do
desenvolvimento sustentável se isso não se traduzir em gestos concretos para
a preservação dos direitos dos povos indígenas e de nosso meio ambiente.
Bem fez a
presidente Dilma ao efetuar cortes no projeto do novo Código Florestal
aprovado pelo Congresso. Entre o agrado a políticos e os interesses da nação
e a preservação ambiental, a presidente não relutou em descartar privilégios
e abraçar direitos coletivos.
Resta agora
demonstrar a mesma firmeza na defesa dos direitos desses povos que constituem
a nossa raiz e que marcam predominantemente o DNA do brasileiro, conforme
comprovou o Projeto Genoma Humano.
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