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quinta-feira, 26 de julho de 2012

Mentiras, verdades e silêncio sobre a política de insegurança pública

O que assistimos neste momento com a recente onda de mortes praticadas por policiais no estado de São Paulo nos leva a crer que há uma dificuldade desses setores administrarem a sua própria política de aliança com setores que alegam combater. Diferente do que o senso comum impregna, aparentemente, não se trata de um conflito entre Estado versus crime, mas de um desacerto na aliança estabelecida entre esses dois atores. Ambos criminosos. 






ESCRITO POR GIVANILDO MANOEL (GIVA)   
QUARTA, 25 DE JULHO DE 2012

Uma onda de violência em São Paulo. Entre a interpretação dada pela grande mídia e a vida cotidiana que segue na cidade, a população permanece afundada num campo de desinformação e reprodução do mais preconceituoso senso comum. Que a polícia militar é um pólo vivo e ativo da herança ditatorial, todos sabem. Que é uma das mais violentas do mundo, todos veem. Qual a novidade então? O que explica essa recente onda de violência e mortes nas periferias que já matou mais de 200 pessoas?

Há muitos anos que diversos grupos – como o Tribunal Popular, Comitê contra o genocídio da Juventude Negra, Rede contra Violência, Mães de Maio, Coletivo Merlino, entre outros – têm denunciado a violência do Estado contra a população pobre, em especial contra a juventude negra. Diversos foram os casos que tentaram levantar uma discussão séria e profunda sobre o modelo de segurança adotado em São Paulo e no Brasil.

Um caso emblemático e ao mesmo tempo típico é a do motoboy Eduardo Pinheiro dos Santos, assassinado na frente da mãe em abril de 2010. Os policiais o contiveram como suspeito, o julgaram como culpado e ali, sob os olhares desesperados da mãe, aplicaram-lhe a sentença de morte. Ele era negro, pobre e, portanto, suspeito e culpado – segundo a atual visão de segurança pública.

O problema é que não nos colocamos a pensar que política é essa, até porque por muitos anos essa ideologia entra cotidianamente em nossas vidas através dos programas sensacionalistas do mundo cão, como o Aqui e AgoraPrograma do RatinhoDatena e outros, ou das notícias que não passam de boletins de ocorrência escritos com outras palavras. Fomos sendo hipnotizados por uma falsa idéia de que era necessária uma política de segurança, que, para ser mais eficiente, poderia violar todos os nossos direitos, transferindo para o braço armado do Estado todos os desígnios das nossas vidas. A cada tiro no cidadão, um tiro em nossa já muito baleada Constituição.

O atual governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, quando assumiu seu primeiro mandato em 2001 reafirmou a mentalidade intervencionista, repressiva e autoritária baseada na doutrina de segurança pública dos Estados Unidos de guerra preventiva e permanente contra o terror. A política de “tolerância zero” é de guerra contra o inimigo interno, já que não estamos em guerra com outro país. Pra quem acha um exagero, já que se nomeia o atual regime que vivemos de democracia, até as estatísticas oficiais apontam que o inimigo interno é a população pobre e negra.

Evidentemente, essa política que teve suas bases constituídas no período da ditadura militar esmagou qualquer outro tipo de perspectiva de segurança pública a partir da amnésia e impunidade dos crimes cometidos naquela ainda recente época. Mas também pela naturalização de massacres e chacinas, como o do Carandiru, como um dos símbolos da transição desta política ditatorial para os tempos de democracia burguesa.

Com nova roupagem, essa ótica foi ampliada para os setores que também combateram a ditadura militar. O governo federal assumiu essa doutrina de segurança, adotando as UPPs como a expressão dessa capitulação à utilização do uso da força desmedida pelo Estado. A mídia pede e o exército volta, vez ou outra, a desfilar pelas ruas de diversas cidades.

O resultado é um desastre humanitário sem precedentes. O Brasil, ao longo de 10 anos, viveu um aumento de 576% de mortes violentas, foram mais de meio milhão de mortes e a ampliação de encarcerados no Brasil dobrou, indo para 500 mil. Hoje somos o terceiro país a mais encarcerar no mundo, perdendo só para a China e Estados Unidos.

O endurecimento da punição tem uma intencionalidade, como tem a intencionalidade essa política de insegurança pública que estrutura a violência estatal. É preciso que seja dito que a justificativa de guerra às drogas e a guerra à criminalidade é falsa, já que nesta estranha batalha, na imensa maioria, são os pobres que morrem. Uma guerra às drogas e à criminalidade que não atinge os mais poderosos setores envolvidos, muito ricos, não passa da mais escancarada guerra aos pobres. E não só pelas mortes, mas também pela política de encarceramento em massa, que caminha mais rápido para ser um meio de exploração da mão de obra precarizada e análoga à escravidão, travestindo essa exploração de beneficio para o restante da população. E dentro do sistema carcerário, sabe-se também que a tortura é corriqueira. Ou seja, estamos estruturando no Brasil um Estado penal.

Se por um lado a eficiência se viu no mínimo deficiente, por outro lado, a prática aponta que é um completo desastre. O aumento da população carcerária fortaleceu alguns grupos que passaram a ter poder na estrutura social dentro e fora das penitenciárias.

Mas qual é a motivação das mortes e repressão?

O primeiro desafio para alteração deste quadro talvez seja a superação da visão de que a postura de extrema repressão policial é apenas uma questão de desequilíbrio desses homens e mulheres ou de seus comandantes. De fato a extrema precarização do trabalho dos policiais e a orientação ideológica das corporações são fatores importantes. Mas é também a disputa para aplicação de um projeto de sociedade e de cidade que faz o Estado, por si só, optar por lançar mão de tal brutalidade.

Na cidade de São Paulo, o quase caricato prefeito Gilberto Kassab, como bom sucessor da gestão Serra, tomou diversas medidas em doses homeopáticas – mas muito dolorosas – que procuram um novo ordenamento geopolítico e imobiliário na cidade. A coleção de proibições visa expandir as fronteiras das áreas a serem exploradas pelo setor imobiliário.

O prefeito impôs uma política de higienização do centro da cidade, com os jatos de água diários nos moradores de rua, ameaça de proibição dos sopões, despejos de ocupações por moradia, expulsão dos vendedores ambulantes, ação repressiva na cracolândia e tantas outras.

Estranhamente, a cidade bate recordes de incêndios em favelas. Muitos obviamente criminosos (até porque se dão em terrenos em disputa), outros que, mesmo acidentais, facilitam do mesmo jeito que novos empreendimentos sejam construídos nestes locais, os valorizando. Isso tudo contribuiu, por exemplo, no aumento da população de moradores de rua, que dobrou nos anos do governo Serra-Kassab, somando mais de 20 mil pessoas, e para a disseminação de cracolândias por aí.

Mesmo os empreendimentos como viadutos, monotrilhos e grandes obras que teoricamente beneficiam a população acabam por despejar centenas de famílias, valorizar algumas regiões e substituir essas pessoas por outras com mais condições de consumidor de imóveis e outros bens. Isso se acirra ainda mais com a preparação da cidade para receber a Copa do Mundo. Por todo o país, mais famílias sofrem despejo, e enquanto a mídia teima em comemorar seus lucros com o evento as cidades servem de laboratório para uma nova estruturação, mas também para aplicação de um novo fôlego das políticas violentas de segurança.

Outras medidas, muitas vezes encaradas como transversais, também expressam essa tomada territorial. Desde a proibição dos artistas de rua, passando pela lei do Psiu e chegando até a ofensiva contra os saraus nas periferias, colocam sob a lei um modo de vida a ser seguido pela população. E a desigualdade também se encontra nesses fatos, já que isso na prática impede o acesso ao lazer e à cultura que, diante da vida massacrante de trabalho, têm sido espaços fundamentais de organização e resistência ao modelito neoliberal da cidade.

E é também por isso que se militariza tanto São Paulo. As tropas estão aí para abrir espaço e expandir as fronteiras da segregação social. Os prefeitos militarizaram 31 das 32 subprefeituras, colocando coronéis aposentados na gestão. A famigerada operação delegada, feita em um acordo ilegal com o governo do estado, contratou os serviços de mais de 4 mil policiais e agravou a violência utilizada pela Guarda Civil Metropolitana.

E qual a novidade?

Com a vitória da imposição desta lógica, se elevou também o patamar de relação do Estado com o chamado crime organizado. Como bem define o deputado estadual do PSOL-RJ Marcelo Freixo, só existe crime organizado se esse tiver relação e proteção do Estado.

O que assistimos neste momento com a recente onda de mortes praticadas por policiais no estado de São Paulo nos leva a crer que há uma dificuldade desses setores administrarem a sua própria política de aliança com setores que alegam combater. Diferente do que o senso comum impregna, aparentemente, não se trata de um conflito entre Estado versus crime, mas de um desacerto na aliança estabelecida entre esses dois atores. Ambos criminosos.

Já é de conhecimento público as investigações de envolvimento de policiais em assaltos a caixas eletrônicos, condomínios de luxo e outras práticas de corrupção. Mas isso ainda é encarado como um problema meramente moral e como fatos isolados de um setor contaminado da polícia.

A inexplicável ação da ROTA na zona leste de São Paulo, matando seis pessoas, e a morte de seis policias, em sua maioria em bico, desencadearam uma série de mortes assumidas ou não pela polícia. Estas não foram medidas tomadas somente pelos policias armados ou pelo seu comando militar, mas sim através da autorização do governador e do secretário de Segurança Publica. Sem que nenhuma morte fosse explicada para a população e em defesa de uma certa "normalidade", foi dada autorização para que a polícia utilizasse toda a força necessária, incluindo a ação de forma ilegal pelo não uso de fardas. Sim, policiais estão matando com e sem fardas, com autorização do governo. Na prática, se aproximam de uma espécie de grupo de extermínio legalizado.

Neste exato momento é a polícia quem está decretando toque de recolher em diversas regiões da cidade. Em menos de um mês foram contabilizada cerca de 200 mortes! Enquanto são registradas como “resistência seguida de morte”, supostamente investigadas pela Polícia Civil, mas quase sempre engavetadas pela Secretaria de Segurança Pública, a população vive sob o tiroteio da desinformação.

Mais uma vez, durante o período eleitoral, a política é de terror à população. E dessa forma tentam convencer que para proteção da propriedade privada vale tudo. Aos poucos a grande mídia vai repetindo a retórica do medo: “imaginem uma cidade sem polícia, seria o caos”. Na contramão disso estão ações isoladas, como a declaração da mãe de Ricardo Aquino, publicitário morto em Pinheiros, que desejou “que sua morte não tenha sido em vão”, além de responsabilizar a política de segurança como um todo.

O que está posto para o povo de São Paulo é que essa lógica faliu, aliás, já nasceu falida, pois a verdadeira política de segurança capaz de enfrentar a violência se dá pelo combate à desigualdade social com saúde, educação, lazer, esporte, cultura, emprego e moradia bons e públicos. De imediato, é preciso que a população organize sua indignação contra essas mortes, pela abertura de uma CPI para investigar a polícia, desmilitarização da polícia e pela construção de uma segurança controlada pelo próprio povo.

O período eleitoral precisa ser usado como forma de rejeição aos candidatos e partidos que estão aplicando à bala esse reordenamento da cidade, mas também aos que, em nome da governabilidade e de um tempinho de televisão, se alinham com Malufs da vida, protagonista central neste pensamento conservador de segurança pública. É preciso dar um grito, nas ruas e nas urnas, a favor da vida da classe trabalhadora, antes que a polícia e essa política agridam ainda mais nossa sangrenta democracia.

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