26/06/2012 - 03h00
DE SÃO PAULO
O "New York Times" espantou-se com o fato de que o presidente Fernando
Lugo foi afastado quando faltam apenas nove meses para a eleição de seu
sucessor.
O espanto caberia, se não fosse o fato de que são precisamente esses
nove meses que explicam o fuzilamento sumário do então presidente.
No Paraguai, muito mais do que no Brasil, o uso da máquina pública é
crucial para ganhar eleições. E a máquina pública paraguaia é uma obra
do Partido Colorado, que ocupou o poder sem interrupções desde 1947 até a
vitória de Lugo em 2008. Sem contar o período 1887/1904 em que também
foi dominante.
Para
recuperar o poder em 2013, os colorados precisavam evitar que Lugo
atrapalhasse o uso da máquina, na qual continuam bem incrustados, apesar
da derrota de 2008.
Da
mesma forma, os liberais precisam do poder - que ocuparam por quase 40
anos, desde a chamada "Revolução Liberal" de 1904 - para ganhar com um
nome de seus próprios quadros.
Em
2008, tiveram que pegar carona na candidatura de Lugo, fornecendo o
vice-presidente, o hoje presidente Federico Franco, e o apoio
parlamentar de seus 14 senadores e 27 deputados.
Lugo de aliado passava a ser um estorvo, mesmo não podendo candidatar-se de novo ele próprio (a Constituição veda a reeleição).
Juntou-se
então a fome de poder de ambos os grandes partidos com a vontade de
comer o pleito de 2013 - e Lugo virou um cadáver político. Ainda mais
que a eles se somou o movimento criado pelo general golpista Lino
Oviedo.
Os
três grupos, somados, têm 38 senadores em 45 e 62 deputados em 80.
Nenhuma surpresa, pois, com a forte maioria obtida primeiro para a
instauração do processo de impeachment e, em seguida, para o fuzilamento
sumário do presidente.
Posto
de outra forma: a derrubada de Lugo foi o primeiro movimento para a
sucessão. O próprio Lugo, em entrevista à Telesur venezuelana, adotou
essa interpretação ao dizer que "há indícios sérios e claros de que
Horacio Cartes está por trás [do julgamento político], [porque] sabe que
sua candidatura não está crescendo".
Cartes é o pré-candidato favorito no Partido Colorado, mas precisa da máquina para decolar.
Ele apareceu nos papéis do Departamento de Estado vazados pelo Wikileaks
como vinculado ao narcotráfico, relembrou ontem o jornal "El País".
Claro que ele nega, como quase todos os políticos acusados de crimes.
Dado
que os vizinhos sul-americanos do Paraguai ameaçam suspendê-lo até que
eleições democráticas em abril devolvam o país à plenitude democrática, o
que é um reconhecimento implícito de que o afastamento de Lugo é
irreversível, cabe uma pergunta, especialmente à diplomacia brasileira:
vale, para o Paraguai, a ideia de que é absolutamente intocável a
soberania de todo e qualquer país, conceito aplicado por exemplo, às
ditaduras da Síria e da Líbia?
Ou
seria no mínimo prudente vigiar a campanha eleitoral para evitar que
métodos e dinheiros pouco limpos levem ao poder uma figura sob suspeita
em um vizinho e sócio?
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